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 A vida pauta o mercado ou o mercado pauta a vida?

Publicado em 16 de Novembro de 2016

Numa reflexão sobre os problemas envolvendo a água no Brasil e no mundo, questionei como a pauta do ganho financeiro ultrapassa, sempre, a pauta da vida. É lamentável como a economia, em algumas narrativas, parece não ter qualquer responsabilidade pelo bem estar dos seres humanos, do mundo, enfim, por vida plena para os povos.

Observe o noticiário informando os lucros de banqueiros e os números positivos do mercado; ao mesmo tempo parcela significativa da população já não garante três refeições diárias e um teto para morar. Alguma coisa há de errado quando os lucros do sistema financeiro aumentam 35% e a pobreza aumenta 40%.

Parece óbvia a contradição, mas o interessante nisto é a ideia de uma economia virtual, que nada produz, fora da economia real. A primeira é a economia real, onde a dona Maria paga imposto, o seu Zé paga imposto, e muitos detentores de fartos bens pouco pagam. Mas nem estes vem ao caso. Fora desta economia há uma outra economia, em que interessa a derrocada do seu Zé, da dona Maria, e até dos detentores de fartos bens que pouco pagam impostos. A derrocada de todos, ou sua transformação em peças de um jogo, é o que interessa a quem ganha com as crises financeiras.

O todo poderoso sistema financeiro, e seus rentistas de estimação, conseguiram tornar normal a ideia de que pessoas devem passar fome para que “o mercado” vá bem. Gera-se riqueza de muitas mãos, com o sofrimento de muitas mãos, mas o destino disto segue sempre o mesmo: algumas poucas mãos. Tudo acontece em razão do “inevitável preço do crescimento”. Mas crescimento para quem? Desenvolvimento para quem? Avanço para quem? Vida para quem?

Quando o Papa Francisco questiona a forma e os resultados deste culto ao mercado, nos apresenta um bom espaço para, aqui no Brasil, aprofundarmos outros questionamentos.

Já que sempre comparamos o País a um orçamento doméstico, questiono se uma família aceitaria pagar uma dívida cujo juro é injusto, absurdo e pouco justificável? Será que essa família não solicitaria uma auditoria de sua dívida? A maior parte das lideranças internacionais toca neste tema com medo. E não é para menos. Basta um camponês levantar a mão e questionar o tamanho dos juros de um empréstimo e lá vem o “mercado”, onipresente, a produzir manchetes garrafais: DÓLAR DISPARA COM AMEAÇA DE AUDITORIA DA DÍVIDA

O Conselho Federal de Economia apontou algumas medidas que considera fundamentais para o País, entre elas uma reforma tributária que reveja a carga pesada colocada sobre quem tem pouco, mas um ponto chamou a atenção. O órgão que congrega os economistas brasileiros deixou absolutamente clara a necessidade de uma auditoria técnica e independente da dívida que consome quase 60% do que geramos de riqueza.

A gravidade desta questão pode ser apresentada em números, que a revista Carta Capital fez questão de destacar na edição de maio. O orçamento de 2015 separou R$ 103 bilhões para a educação, R$ 121 bilhões para a saúde, R$ 75 bilhões para o desenvolvimento social e R$ 20 bilhões para os transportes. Estes gastos, mais o déficit de R$ 86 bilhões na previdência, somam R$ 405 bilhões.

Nota em cima de nota, pagamos R$ 502 bilhões em juros. Em resumo: saúde, educação. Desenvolvimento social, transportes e previdência, juntos, receberam menos recursos que os juros do gordo senhor mercado.

Querem nos fazer acreditar que gastamos demais, mesmo com 16 anos de superávitis seguidos. Querem nos fazer acreditar que gastamos muito com habitação ou saúde, quando gastamos quatro vezes mais para remunerar abutres.

Temos muito a avançar, reformas a fazer e centenas de cortes em regalias e privilégios, mas garantir um prato de comida e um teto não é regalia, é cidadania, é garantia de vida para recomeçar, para desenvolver. Querem que cortemos o pouco que milhões têm, para garantir milhões a muito poucos. Não podemos aceitar que venham nos dizer que gastamos demais em programas sociais, quando isto representa menos de 3% do que é entregue ao sistema financeiro.

Por todas estas questões precisamos debater com seriedade o tema da auditoria da dívida e a atuação do sistema financeiro em nosso País. É um trabalho técnico complexo, baseado em dados e análises aprofundadas, mas que precisa ser feito e deve ter um caráter coletivo. Precisamos envolver nossa população nesta luta, dialogar, apresentar às pessoas como isso prejudica sua vida diariamente. Somente com a conscientização de nosso povo podemos pautar um tema tão urgente e tão complexo.

Padre Pedro Baldissera
Deputado Estadual, teólogo e pedagogo.

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